quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A saga dos pobres em Serra Pelada


O Eldorado é possivelmente o mais conhecido dos mitos sobre a cidade do ouro. Contava-se que Eldorado era uma cidade indígena mais ou menos próxima a Bogotá (Colômbia), cheia de riquezas, ruas de ouro, templos de pedras preciosas, tudo em extrema abundância. Essa é uma história do século 16 que os conquistadores espanhóis trataram de alimentar e difundir, atraindo aventureiros para os desconhecidos da América. A lenda nunca se confirmou nem nunca se perdeu ao longo do tempo.

Pensar Serra Pelada é pensar também nesse sonho do Eldorado e em como esse sonho foi manipulado, se transformando na epopéia de mais de 100 mil garimpeiros, sendo mais de 70% nordestinos.

DO SONHO À TRAGÉDIA

Foi em 1980 que se encontraram as primeiras pepitas de ouro no lugar conhecido como Açaizal, distante aproximadamente cem quilômetros da sede do município de Marabá. Já um mês depois o aglomerado de pessoas nos arredores passava de cinco mil. A notícia corria longe e atraía levas e mais levas de maranhenses, piauienses, cearenses, baianos, paraibanos e outros. Instalado o garimpo, logo chega à região a primeira comitiva do governo federal. Foi quando o major Sebastião Rodrigues de Moura, vulgo Sebastião Curió, toma em suas mãos o controle da área, controle que iria se perpetuar por muito tempo.
O outro lado
Como verdadeiras válvulas de escape à dura realidade e às desumanas condições de trabalho, foram levados até Serra Pelada vários eventos como shows, reportagens enaltecendo o lugar (Rádio Nacional de Brasília, rede Globo de televisão) e até Os Trapalhões. Crescia assustadoramente o número de cabarés e bordéis nas proximidades, onde a figura do garimpeiro com grosso cordão de ouro, dente de ouro e um enorme toca-fitas a tiracolo era sinônimo de esbanjamento de dinheiro. Carros novos, chuva de dinheiro e excessos desnecessários faziam parte da vida dos garimpeiros que 'bamburravam' (enriqueciam).
Alguns casos viraram lendas, como o do garimpeiro que só tomava banho com água mineral e do outro que fretou um Boing 747, de Belém a São Paulo, somente para visitar uma antiga namorada. Mas essas histórias de fortuna não passaram de pequenas gotas num oceano de frustração e pobreza.
A grande massa garimpeira entrou em Serra Pelada pobre e saiu miserável (quando saiu!). Muitos daqueles homens se transformaram num enorme exército de reserva, ocioso, à disposição dos latifundiários locais. Ao contrário do que prega o senso-comum na região, a ruína dos garimpeiros não se deu graças a seu 'despreparo' para administrar o dinheiro ganho. Sua desgraça foi a própria formação do garimpo (e seus apêndices), a própria ilusão do enriquecimento relâmpago ao alcance de todos, a corrida alucinada do ouro a qualquer custo. O sonho não realizado levou-os à tragédia.
FANTASMA DA GUERRILHA
Serra Pelada já foi considerado o maior garimpo manual do mundo. Diz-se que de lá foram extraídas 40 toneladas de ouro, o equivalente a mais de 1 bilhão de dólares. Pesquisas da Vale do Rio Doce (detentora dos direitos de exploração da área, desde 1989) detectaram a presença de uma super-jazida de 150 toneladas de ouro, localizada a 400 metros de profundidade.
As disputas e interesses por Serra Pelada seguem gerando conflitos e mortes na região. As divergências passam também por um fundo de R$ 150 milhões, depositado à época em nome dos garimpeiros na Caixa Econômica Federal, que nunca foi resgatado. Muitos trabalhadores não conseguem provar que realmente estiveram no garimpo e o tumulto é grande quando há algum tipo de recadastramento. 
A luta encarniçada que acontece na região pela destruição do latifúndio é um outro capitulo da história atual dos garimpeiros que, na verdade, nada mais são que camponeses pobres saídos de sua terra, pessoas que sonharam e ainda seguem sonhando com libertação. A tentativa de dissipar o "fantasma da Guerrilha" do sul paraense definitivamente não vingou. E o povo o tem demonstrado no decorrer desses anos, com suas lutas radicalizadas, seu espírito, sua disposição, seu sangue.
É preciso captar as lições de Serra Pelada, essa saga de milhares de pobres. A luta de classes desenvolve-se à revelia das artimanhas e estratégias dos poderosos. Onde quer que exista opressão necessariamente haverá insubordinação. Onde quer que haja massas em movimento necessariamente estarão presentes as bandeiras e anseios do Araguaia. Enfim, cabe dizer que onde houver povo, este tratará sempre de ressuscitar Oswaldão, Dina, Helenira, Grabóis (pai e filho)... e suas palavras de alforria.

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